O aumento da população mundial somado à redução das áreas dedicadas ao plantio demandam que as plantações sejam cada vez mais produtivas. Além disso, a partir das décadas de 1970 e 1980, ficou claro que o sistema de plantio que usa cada vez mais fertilizantes químicos e agrotóxicos não é sustentável pois causa problemas graves como a intoxicação humana e animal, surgimento de pragas cada vez mais resistentes, contaminação da água, erosão e salinização do solo. Adicionalmente, o crescimento da produtividade das plantações atingiu o seu auge e novos aumentos não são possíveis usando apenas as técnicas existentes anos atrás. Ficou evidente a necessidade de criar um sistema de produção agrícola mais sustentável e produtivo.
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Agrobiotecnologia
Parte dos problemas enfrentados pela agricultura começou a ser superada através da técnica do DNA recombinante (rDNA), desenvolvida em 1973 por Stanley Cohen e Herbert Boyer e que deu origem a uma nova revolução na agricultura. A técnica de rDNA possibilita que sejam produzidos organismos com modificações genéticas oriundas de espécies completamente diferentes, e também permite que seja inserida no genoma da planta apenas a característica selecionada.
Assim nasciam os transgênicos e a agrobiotecnologia. A agrobiotecnologia é uma área da biotecnologia que tem como objetivo realizar melhoramentos em variedades vegetais e promover características específicas nas culturas. Hoje existe uma variedade de técnicas utilizadas para tal, alguns exemplos são: a CRISPR[1] , cultura de tecidos, resgate de embriões, hibridização somática, seleção assistida por marcadores moleculares, duplicação do genoma e tecnologias ômicas.

Para reduzir o uso de pesticidas em lavouras, a fim de minimizar seus impactos na saúde e no meio ambiente, os organismos geneticamente modificados (OGMs) são a principal estratégia. Através das técnicas de engenharia genética foi possível a criação de plantas resistentes a pragas como coleópteros e lepidópteros.
Mas, além dos OGMs, existem outras estratégias da biotecnologia aplicadas à agricultura como a modulação da microbiota do solo, o controle biológico de patógenos e a produção de revestimentos para proteção dos frutos.
Cultivares resistentes à pragas
No Brasil temos o exemplo de dois cultivares resistentes à pragas, milho Bt e o feijão RMD. O milho Bt foi produzido pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), Universidade de São Paulo (USP) para diminuir infestações da principal praga do estado: a lagarta do cartucho (Spodoptera frugiperda). Esse milho produz várias proteínas que são tóxicas em níveis variados à lagarta do cartucho.
Esse OGM conferiu proteção contra a praga temporariamente. No entanto, o manejo do cultivar não foi realizado da maneira correta, já que devem ser seguidas três recomendações para o cultivo de OGM e os produtores brasileiros não providenciaram os refúgios abundantes de plantas não Bt próximos da plantação para que ocorra cruzamento aleatório.
Por isso, em 4 anos a S. frugiperda desenvolveu resistência a duas das proteínas Bt, o que diminuiu a proteção conferida. O manejo dessas culturas deve ser bem planejado e implantado junto com outras estratégias de manejo integrado de pragas (MIP) para que a proteção não perca seu efeito e seja mais duradoura.

Já o feijão carioca, ou feijão comum (Phaseolus vulgaris L.) é atacado no Brasil pelo vírus do mosaico dourado do feijão (BGMV). Esse vírus é capaz de atrofiar o crescimento do feijão, tornar a planta amarelada e causar aborto nas flores com grande prejuízo para a colheita. Para produzir uma variedade de feijão resistente ao mosaico dourado (RMD, nome comercial) a EMBRAPA utilizou a tecnologia de RNA de interferência (RNAi) e foi lançada no mercado em 2019.
O microbioma a serviço da nutrição e produtividade
Outra biotecnologia que tem ganhado muito destaque no campo é a modulação da microbiota do solo, que influencia diretamente a nutrição vegetal e a produtividade da colheita. Os microrganismos presentes no solo são responsáveis pela transformação e decomposição da matéria orgânica, ciclagem e transporte de nutrientes, fixação biológica de nitrogênio, controle de patógenos e fluxo de energia.
A seleção da microbiota correta pode melhorar o sistema radicular da planta, facilitar absorção de nutrientes, promover maior tolerância a estresses abióticos e dificultar o crescimento de agentes patogênicos, além de estimular o melhor funcionamento do sistema imunológico da planta. Não apenas a microbiota, mas todo componente biótico do solo pode ajudar nesses processos.
Uma empresa brasileira que vem investindo nesse setor é a Symbiomics, que trabalha com o desenvolvimento de bioprodutos capazes de aumentar a disponibilidade de nutrientes essenciais no solo, melhorar a saúde e resiliência da plantação a condições climáticas extremas, combater um amplo espectro de pragas e doenças e tornar o sequestro de carbono mais eficiente.

A produtividade vai além do campo: controle biológico e revestimentos na pós-colheita
Outro grande problema enfrentado pela agricultura atual é o desperdício na pós-colheita. Segundo Boletim Técnico-Informativo do Instituto Agronômico (IAC), cerca de 35% da produção de hortifrutis no Brasil é perdida. Dois dos motivos dessa perda são as contaminações por microrganismos que aumentam a velocidade da deterioração dos produtos e a perda de água, solutos e trocas gasosas com o ambiente que diminuem a qualidade dos hortifrutis.
Através da biotecnologia algumas estratégias vêm sendo estudadas para mitigar esses problemas. Uma delas é o controle biológico, com o uso de bactérias e fungos antagonistas que irão colonizar a fruta e competir por espaço e nutrientes com os microrganismos patogênicos. A segunda estratégia é a produção de revestimentos comestíveis à base de plantas que protegem a fruta da senescência e aumentam a atividade antimicrobiana do produto.
Essas duas estratégias isoladas ainda não se mostraram suficientes para diminuir as perdas na pós-colheita, mas apresentam potencial quando associadas a outras técnicas como diminuição do impacto mecânico e conservação em baixas temperaturas.
A agrobiotecnologia vem provocando uma nova revolução na agricultura, e possui potencial para diminuir o uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos e também minimizar o desperdício na pós-colheita, tornando a produção agrícola mais produtiva e sustentável.

Como visto, muitos ainda são os desafios a serem superados e muito conhecimento precisa ser gerado, além do treinamento de agricultores e o planejamento prévio das estratégias utilizadas. No entanto, grandes avanços já foram realizados no âmbito da produção de novas variedades de plantas OGMs, melhoria da microbiota do solo, controle biológico e produção de revestimentos para proteção de frutas. Destaca-se que as tecnologias citadas neste texto são apenas alguns exemplos de toda a produção da agrobiotecnologia que ainda possui muito potencial para mitigar ainda mais problemas e tornar a agricultura cada vez mais produtiva e sustentável.
Referências:
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